Redação
SVWC em uma volta ao mundo: o que os principais centros de inovação mundiais podem nos ensinar?

"O Vale do Silício é o berço da inovação". Com certeza você já ouviu essa frase, geralmente relacionada a grandes histórias de sucesso na tecnologia, como Google, HP, Facebook ,Twitter, Netflix, entre tantas outras. Mas, já há algum tempo, as principais evoluções da tecnologia não estão centralizadas nos talentos de San José, Palo Alto e Menlo Park.
Nos dias 16 e 17 de outubro, a StartSe, escola de educação executiva, realizou o evento SVWC. Em sua palestra de abertura, Cristiano Kruel, Chief Innovation Officer da escola, nos propôs uma volta ao mundo - por alguns pólos de inovação globais.
Vale do Silício, China, Israel, Portugal, Miami e Estônia. Qual o principal aprendizado da história de desenvolvimento de cada um desses lugares?
Vale do Silício - A clínica de reabilitação para os que sofrem de atychiphobia
Dadas as devidas honras, é mais do que justo começar com a menina dos olhos dos Estados Unidos. No início do século XX, a região passou a receber os olhares do governo ao se abrir à experimentação com eletrônicos e, posteriormente, outros produtos. A Guerra Fria impulsionou o desenvolvimento do Vale do Silício e o resto é história.
Mas talvez o principal ensinamento deixado pelo Vale seja curar-se da atychiphobia - o medo intenso de falhar. Os sintomas dessa condição que atinge a tantos no mundo corporativo são bem conhecidos: aversão ao risco, autossabotagem, baixa autoestima, perfeccionismo.
Com as histórias de sucesso da região, não podemos deixar de notar que a inovação não se deu em caminhos lineares, mas sim em uma alta capacidade de testar diversas ideias de maneira ágil e em pequena escala.
Steve Blank, chamado de “o poderoso chefão do Vale do Silício" e mentor de diversas das mentes brilhantes que admiramos, disse que “é preciso beijar muitos sapos até encontrar um príncipe”. Aprender com cada sapo no caminho é o segredo para não somente encontrar um final feliz, mas também para curar-se da atychiphobia.
China - A utilização de uma luójí ambígua
Passemos então pela China. Já é de conhecimento de muitos que o país se colocou como uma das grandes potências de tecnologia no que diz respeito a hardware e eletrônicos, sendo um dos principais fornecedores de todo o mundo.
Tanto que nos últimos anos, a priorização de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e os grandes investimentos do governo para levar a China à mesa da inovação se pagaram. Em dez anos, o país subiu 22 posições no Índice de Inovação Global, ocupando hoje a 12ª posição.
As diferenças culturais aqui podem ter um grande impacto na cultura de inovação das empresas da região. A luójí (lógica) chinesa, ou seja, a maneira de raciocinar e tomar decisões, é diferente da que estamos acostumados por aqui.
Enquanto o Brasil - e o ocidente como um todo - tem uma tendência mais linear de pensamento, onde um leva a dois e as decisões são mais binárias, a lógica chinesa oferece mais espaço para a ambiguidade - é uma lógica de pensamento lateral. Algumas frases chinesas clássicas ajudam a exemplificar esse conceito, como “não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato” e “se A está certo, então B também não está errado”.
De certa forma, os chineses parecem se sentir confortáveis em abrir espaço para dualidades e contradições coexistirem nas discussões, trazendo ideias verdadeiramente diferentes para a solução final.
Portugal - Os famosos “grandes navegantes” estão reinventando a Escola de Sagres?
Se você tiver apego pela história, talvez se lembre da lenda da Escola de Sagres. Apesar de ser tratada como mito pela falta de registros históricos, ela teria sido uma instituição fundada pelo infante D. Henrique, no século XV, e talvez o primeiro berço da tecnologia portuguesa.
Com o intuito de sair na frente da corrida expansionista, a escola teria abrigado um grupo dos melhores pilotos, astrônomos, construtores, cartógrafos e matemáticos que, juntos, desenvolveram ferramentas, mapas e acumularam praticamente todo o conhecimento de navegação - o que rendeu a Portugal o posto de um dos mais fortes impérios da época. Pode-se dizer que a Escola de Sagres - tenha ela existido ou não - foi o polo de talentos e conhecimento em navegação daquela época.
Hoje, Portugal vive um momento um pouco similar. Em 2011, o país sofria uma de suas piores crises e, entre incentivos governamentais, pressão dos portugueses e uma série de medidas adotadas, a intenção de fomentar um ecossistema de startups e inovação era clara.
"Em 2014, veio o Portugal 2020, fundo de desenvolvimento econômico entre Portugal e o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. O país recebeu milhões de euros para investir em competitividade, internacionalização e capital humano, o que permitiu o fomento a ecossistemas de inovação."
O meio acadêmico se desenvolveu e, somado a incentivos fiscais para empreendedores, custo de vida, eventos surgindo e uma grande rede de empreendedores se formando, fez do país um dos melhores lugares para se empreender.
Portugal tem hoje a 2ª maior taxa de graduados em engenharia da Europa e é o 12º melhor país no mundo para encontrar colaboradores qualificados, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, já foi cotado como o melhor lugar no mundo para viajar e trabalhar, ou seja, um prato cheio para nômades digitais e adeptos do trabalho remoto (o que, convenhamos, é o novo padrão dentro do setor de tecnologia), tendo inclusive lançado recentemente um visto específico para quem se enquadra nessa categoria.
Estaríamos vendo uma “nova Escola de Sagres” se formando no país?
Se você quer mais um gostinho das terras lusitanas, fique ligado(a) no Movile Orbit, marcaremos presença no Web Summit 2022 em Lisboa e traremos conteúdos exclusivos de lá também.
Miami - a cidade que é um case de diversidade cognitiva
Voltando rapidamente aos Estados Unidos, vale comentarmos sobre Miami e o curioso caso do prefeito Francis Suarez que, em meio à pandemia, aqueceu debates fervorosos sobre como tornar a cidade um novo hub tecnológico com apenas um tweet.

Com o tweet acima, o prefeito rapidamente se tornou uma celebridade no que diz respeito a transformar a costa do sol. De trocar tweets com Elon Musk sobre a construção de um túnel sob o rio Miami à criação de seu próprio talk show - o Cafecito Talk -, sua fama talvez seja maior do que seu poder real de concretizar os sonhos propostos.
No entanto, o que está tornando tudo isso possível é o incentivo a migrantes para a cidade. Hoje, cerca de 70% dos moradores de Miami não nasceram no município. No Vale, esta porcentagem é de 95%, ou seja, estão construindo uma lógica similar.
Em outras palavras, talvez a ensolarada Flórida, com seus baixos impostos, não precise de uma nova legislação para atrair a próxima geração de empreendedores, mas apenas de um marketing melhor. A noção de que empregos de alta renda em tecnologia e finanças poderiam migrar para o Estado Ensolarado decolou durante a pandemia. Inicialmente, a maior parte da conversa concentrou-se em Wall Street e foi Suarez quem ajudou a expandir seriamente o tema para o Vale do Silício. Ele disse que viu uma brecha para trazer melhores oportunidades para uma área conhecida por seus empregos de baixa remuneração em comércio e serviços de hospitalidade, mas não pelo empreendedorismo de ponta.
Jonathan Levin e Michael Smith para EXAME
E o que isso tudo tem a ver com inovação? A resposta é simples - diversidade cognitiva. Pessoas com histórias, culturas e criações diferentes, com pensamentos diferentes. Não precisamos nem entrar na pauta de que diversidade é uma das principais forças motrizes para inovação aqui, né?
Israel - a força do número 8200
Pense em um país pequeno, com menos de 100 anos de história, cercado de debates éticos complicadíssimos e conflitos geopolíticos efervescentes. Não parece um terreno fértil para um polo de inovação, certo?
A ascensão de Israel, em especial Tel Aviv, como um gigante da tecnologia, é uma daquelas histórias sobre flores brotando no deserto (quase que literalmente). Em meio a todo o contexto desfavorável, o governo uniu forças com o exército israelense, universidades e ecossistema empreendedor, e transformou a região em uma das grandes potências mundiais em tech, atraindo empresas como Google, Microsoft e IBM.
Uma de suas grandes fortalezas está no número 8200 - “Unidade 8200” é uma célula do Corpo de Inteligência das Forças de Defesa de Israel, cuja missão é captar sinais de inteligência e decifrar códigos. Suas funções são semelhantes às da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos.
A inteligência de segurança desenvolvida por Israel ao longo dos anos fez a tecnologia de ponta deslanchar no país. Não é por acaso que hoje é referência em cibersegurança, sendo esse seu maior atrativo para as big techs que lá se instalaram (ou compraram empresas pela região).
Hoje, 40% da receita das top empresas em Israel é de high tech. Muito disso se explica por outro dado importante: cerca de 4,4% do total do PIB do país é investido em tecnologia, laboratórios, universidades e capacitação.
E uma curiosidade marcante sobre o país muito bem levantada por Cristiano Kruel durante o SVWC, é que a quantidade de mulheres fundando e liderando startups só cresce. Muitas delas aprendem sobre tecnologia servindo ao exército israelense e isso tem criado uma força empreendedora feminina enorme na região.
Estônia - a mais avançada sociedade digital do planeta
Por fim, nossa volta ao mundo termina na Estônia. De todos os lugares pelos quais passamos, talvez este seja o pólo menos conhecido. No entanto, hoje a Estônia é tida como a sociedade digital mais avançada do planeta e a nação mais empreendedora da Europa.
A história de inovação e tecnologia do país tem um papel importante na construção de sua identidade digital. Durante a 2ª Guerra Mundial, foi anexado pela União Soviética e passou cinquenta anos sob o regime comunista, sendo um dos primeiros países a conquistar sua liberdade.
Neste momento, uma grande transformação começou a se desenrolar, pois ao sair da URSS, a Estônia se viu completamente sem estrutura pública, recursos e com processos extremamente burocráticos. O choque de realidade colocou a nação inteira em uma missão de reconstruir o país, que passou por diversos governos e líderes e uniu diferentes frentes - mas todas sempre hiper focadas em restabelecer instituições e concretizar reformas muito profundas.
Há muito a se debater sobre as condições em que essa reconstrução se deu, mas o fato é que o país soube surfar o surgimento da internet e fazer do limão da falta de recursos, uma bela limonada. Hoje, se destaca pelos serviços públicos totalmente digitais, ágeis e sem burocracia - as informações dos cidadãos estão em blockchain e integradas - e pela criação de 2 sistemas que, juntos, possibilitam a disponibilização de mais de 2.500 serviços públicos de forma digital.
Esta expertise tem sido exportada como sua grande força, mas a verdade é que a Estônia tem desenvolvido ferramentas para atrair talentos para o país e fomentar a criação de mais startups, inclusive de maneira remota, como no caso do e-Residency (Cidadania Eletrônica), por meio do qual é possível tornar-se cidadão, abrir e gerir empresas remotamente. Atualmente, são mais de 60.000 e-residentes e 10.000 empresas.
Se quiser entender mais a fundo a história e evolução do país, sugerimos a leitura deste artigo.
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